Marta Vidal

VISÃO (23/5/2024)

Os campos de oliveiras e as cearas de trigo envolvem a aldeia de al-Mughayyir, na base de um vale no centro da Cisjordânia. À sombra das oliveiras estão carros esventrados, peças de metal corroídas pelas chamas e vidros partidos. A fuligem cobre os caminhos, as pedras, as paredes das casas. O cheiro a queimado ainda se sente por toda a aldeia, três semanas depois de ter sido incendiada por centenas de colonos israelitas.

“Vimos a morte, as balas, as chamas,” diz Ghassan Abu Alia, que mora na margem leste de al-Mughayyir, numa casa com vista privilegiada para a destruição. No dia 12 de Abril, centenas de colonos israelitas desceram as colinas que rodeiam a aldeia palestiniana depois de um rapaz de 14 anos ter desaparecido de manhã do colonato israelita de Malachei HaShalom, estabelecido ilegalmente em 2015 em terras palestinianas.

“Por volta do meio-dia começámos a ver os colonos a juntar-se, e achámos que estavam à procura do rapaz. Mas começaram a atacar a aldeia,” conta Ghassan.

Era o terceiro dia do feriado de Eid al-Fitr, em que os muçulmanos festejam o fim do Ramadão. Mas em vez de se reunirem com as famílias para celebrar o dia de festa, os residentes de al-Mughayyir passaram o feriado a fugir de colonos armados, a tentar apagar as chamas e a resgatar os feridos.

“Os colonos organizaram-se em equipas. Uns estavam a incendiar casas e carros, outros a disparar sobre as pessoas que os tentavam parar,” conta Ghassan, enquanto mostra imagens que filmou da janela de sua casa, onde se vê homens com os rostos tapados a invadir al-Mughayyir e se ouvem tiros.

“A aldeia ficou toda negra por causa do fumo dos incêndios,” conta. Quando o corpo do rapaz desaparecido foi encontrado no dia seguinte perto de al-Mughayyir, centenas de colonos israelitas já tinham invadido várias aldeias palestinianas da região, disparando sobre os residentes e incendiando propriedades.

Ghassan oferece-nos uma visita guiada à devastação de al-Mughayyir. “Aqui foi onde mataram o Jehad,” diz enquanto aponta para uma casa cercada de oliveiras. Jehad Abu Alia tinha 25 anos. Foi atingido com um tiro na cabeça quando um grupo de colonos armados rodeou a casa dos seus familiares.

Se o exército israelita não tivesse fechado o acesso à aldeia e impedido a ambulância de passar, talvez tivesse sobrevivido, especula Ghassan. Mas quando foi levado para o hospital, horas depois de ser atingido, já era tarde demais.

“Ali queimaram dezenas de carros,” continua, e “foi aqui que incendiaram o carro dos bombeiros que veio para apagar as chamas.” Enquanto nos mostra os danos causados pelo ataque que durou dois dias, Ghassan vai enumerando as perdas: 1 morto, 75 feridos, 14 casas e dezenas de carros queimados, 120 ovelhas roubadas e cerca de 50 mortas, dezenas de oliveiras vandalizadas, estufas e equipamento agrícola destruído.

Fazendo as contas, serão cerca de 1.25 milhões de euros de prejuízos, diz Ghassan, que é presidente da cooperativa agrícola de al-Mughayyir, uma comunidade com cerca de três mil habitantes que depende da agricultura.

Vídeos analisados pela Amnistia Internacional mostraram que os soldados israelitas presentes durante os ataques em al-Mughayyir e em quatro outras aldeias palestinianas próximas nada fizeram para parar a violência dos colonos, e que pelo contrário, segundo testemunhos recolhidos pela organização de direitos humanos, se juntaram a alguns dos ataques.

“O exército está aqui para proteger os colonos enquanto queimam as nossas casas e disparam sobre nós,” diz Ghassan. Durante o funeral do Jehad, conta que o exército atacou a procissão fúnebre e tentou dispersar a multidão em luto com gás lacrimogéneo.

Segundo um relatório publicado pela organização Human Rights Watch em Abril, o exército israelita participou em vários dos ataques de colonos na Cisjordânia que já forçaram vinte comunidades palestinianas a deixar as suas terras.

“Enquanto a atenção do mundo se concentra em Gaza, os abusos na Cisjordânia, alimentados por décadas de impunidade e complacência entre os aliados de Israel, estão a aumentar,” disse Bill Van Esveld, representante da Human Rigths Watch.

Mesmo antes do início da guerra em Gaza, as Nações Unidas já tinham alertado que 2023 era o ano com o maior número de ataques registados de colonos israelitas contra palestinianos. Desde Outubro, as Nações Unidas registaram 848 ataques de colonos, maioritariamente contra comunidades palestinianas rurais. Pelo menos 480 palestinianos foram mortos e 5000 ficaram feridos em ataques do exército israelita e colonos. No mesmo período, dez israelitas foram mortos por palestinianos, seis deles membros das forças armadas israelitas.

Esta violência não é novidade em al-Mughayyir. Em 2015, colonos extremistas escreveram “Morte aos árabes” nas paredes da casa de Ghassan, e queimaram-lhe o carro. Um mês depois, incendiaram uma casa palestiniana na aldeia vizinha, Duma, matando uma criança de 18 meses, Ali Dawabsheh, e os seus pais, Saad e Riham, que foram queimados vivos. O irmão de quatro anos, Ahmed, foi o único sobrevivente.

Os ataques, diz Ghassan, são usados pelos colonos para se apoderarem da terra. “Eles acreditam que esta terra é deles, que lhes foi dada por Deus, e querem expulsar-nos com massacres e devastação,” diz.

A destruição total em Gaza, e o número de palestinianos mortos por Israel nos últimos meses, que já ultrapassou os 35 mil e continua a aumentar todos os dias, não surpreendem Ghassan. Confirmam o que já sabe há muito sobre o projecto sionista e a devastação que inflige aos palestinianos. A criação do Estado de Israel implicou a destruição da sociedade palestiniana, e a limpeza étnica da maior parte da Palestina.

“A nossa expulsão continua, não parou em 1948,” o ano da Nakba, a “catástrofe”, quando milícias sionistas atacaram e despovoaram centenas de aldeias e cidades palestinianas, ocupando 78% do território da Palestina e expulsando mais de 700 mil palestinianos, diz Ghassan. Hoje, como há 76 anos, os palestinianos são brutalizados, massacrados, despossuídos e expulsos das suas terras.

Impunidade

Duas semanas depois dos ataques nas aldeias palestinianas, cinco colonos israelitas suspeitos de estarem envolvidos na violência foram detidos. Mas Ghassan não tem esperança de que vá haver justiça. As leis israelitas, diz, não protegem os palestinianos. Enquanto os colonos que vivem ilegalmente na Cisjordânia são julgados de acordo com o direito civil israelita, os palestinianos estão sujeitos a um sistema judicial militar acusado de sistemáticas violações de direitos humanos.

Segundo o grupo de direitos humanos israelita Yesh Din, 94% das investigações contra colonos que atacam palestinianos foram arquivadas sem que qualquer acusação tenha sido feita, e apenas 3% dos processos abertos terminaram em condenação.

“Quem é que apoia estes colonos? Quem é que lhes dá armas? Quem é que os protege?” pergunta Ghassan indignado. “Quando temos um governo extremista que apoia os colonos não há lei, não há justiça.”

Muitos dos colonos, mesmo os que já foram alvos de investigações por violência, estão agora armados com milhares de metralhadoras distribuídas pelo ministro de segurança nacional israelita Itamar Ben-Gvir, membro de um partido de extrema-direita que vive num colonato considerado ilegal segundo a lei internacional, e que já foi acusado dezenas de vezes por incitamento à violência e discurso de ódio.

Em 2022, a eleição para o governo israelita de várias figuras da extrema-direita veio dar mais força e apoio aos movimentos de colonização da Cisjordânia. Com mais armas, mais recursos e mais apoio do governo, os colonos operam agora como milícias com quase total impunidade.

Após a convocação de muitos soldados israelitas para as linhas da frente em Gaza e na fronteira com o Líbano, o exército chamou mais de 5500 colonos para servir como reservistas em batalhões de “defesa regional” na Cisjordânia ocupada, incluíndo alguns com antecedentes criminais de violência contra palestinianos.

Com os colonos armados na vizinhança, nenhum palestiniano dorme tranquilo. “Os meus filhos estão aterrorizados. Mesmo se nos fecharmos em casa, fecharmos a porta e as janelas, a qualquer momento podemos ser atacados,” diz Ghassan. “As nossas casas deveriam ser lugares seguros, mas aqui não temos qualquer protecção. Não há nenhum lugar seguro.”

Documentar os ataques

No escritório da sede do Crescente Vermelho em Qaryut, uma aldeia a poucos quilómetros de al-Mughayyir, Bashar Ma’amar mostra-nos ficheiros com centenas de páginas a detalhar os episódios recorrentes de violência dos colonos: oliveiras queimadas, invasões com o apoio do exército, cortes no acesso à água, gás lacrimogéneo, balas, equipamento agrícola destruído ou roubado.

“Desde 2009 que documento os ataques dos colonos e do exército,” diz Bashar enquanto folheia as páginas que descrevem minuciosamente anos de brutalidade. “Todos os dias registo os ataques e falo com as pessoas atacadas. Há um ficheiro para cada mês,” conta.

Ao longo dos anos, várias das câmaras que Bashar usou para documentar os ataques foram partidas pelos colonos ou por soldados. Apesar de ter arquivos detalhados sobre os colonos mais violentos e de os seus ataques contra palestinianos estarem bem documentados, Bashar diz que nunca houve justiça.

“Sabemos quem são os colonos que nos atacam, são apoiados pelos extremistas no governo,” diz. “Só este ano já fiz 70 queixas, mas nunca acontece nada. Atacam-nos com impunidade.”

Há quatro anos, Bashar começou um grupo no WhatsApp para que os palestinianos que moram em zonas frequentemente atacadas por colonos pudessem partilhar informações e avisos. “Criei o grupo para documentar os ataques dos colonos durante a colheita das azeitonas. É uma época muito importante porque para muitos agricultores é a principal fonte de rendimento, mas começou a haver muitos ataques nessa altura,” conta.

Desde então, o grupo cresceu e tem agora centenas de membros, não apenas palestinianos das comunidades atacadas, mas também jornalistas, trabalhadores humanitários e diplomatas que procuram informações sobre a violência diária dos colonos.

Apesar de já documentar ataques há anos, Bashar diz que situação piorou muito desde que o governo israelita de extrema-direita tomou poder em 2022, e sobretudo depois do ataque do Hamas em Outubro, que foi usado como pretexto para subjugar ainda mais violentamente os palestinianos. “Antes os colonos vinham queimar os carros e as casas durante a noite, agora fazem-no em pleno dia com apoio do exército,” diz Bashar.

O medo, conta, tornou-se parte da vida em Qaryut. “Estamos rodeados de colonatos. Queimam a aldeia, matam pessoas, atacam-nos durante a época da apanha da azeitona. O que acontece aqui não é normal,” diz.

Bashar estudou jornalismo, e tem um pequeno estúdio de design e impressões. Mas a maior parte do seu tempo é dedicada a registar os ataques dos colonos e a trabalhar como voluntário com o Crescente Vermelho Palestiniano, uma organização humanitária que faz parte do Movimento Internacional da Cruz Vermelha.

Desde 2006 que Bashar é socorrista voluntário, mas nem dentro da ambulância com que trabalha está seguro. No dia 20 de Abril, Bashar e dois colegas do Crescente Vermelho foram chamados para resgatar feridos numa aldeia que estava a ser atacada por colonos perto de Qaryut. Enquanto transportavam dois palestinianos feridos durante o ataque junto à aldeia de as-Sawiya, uma bala atingiu as coxas do condutor da ambulância, Mohammed Musa.

Com uma voz trémula de dor, Bashar conta como a bala atingiu as artérias principais do colega. Debaixo de fogo, não foi possível pararem para prestar primeiros socorros a Mohammed que se esvaecia em sangue. Quando a ambulância chegou à clínica mais próxima, Mohammed já não estava a respirar. Tentaram reanimá-lo, mas em vão. Foi declarado morto esse sábado à tarde. Tinha 48 anos e quatro filhos pequenos.

“Não foi um acidente, foi intencional. Dispararam sobre o condutor da ambulância enquanto conduzia,” diz Bashar. O Mohammed era seu amigo de infância, cresceram juntos em Qaryut, e as suas famílias eram muito próximas. Não sabe bem dizer se o seu amigo foi morto por colonos ou por soldados israelitas. “Estavam juntos. Deixámos de conseguir distinguir os colonos dos soldados. Mas sabemos que foram os colonos que começaram a disparar,” afirma.

Não é a primeira vez que a ambulância é alvo de ataques. “Os colonos ficam furiosos quando vêem alguém a tentar resgatar as pessoas que atacaram, não querem que ninguém os venha ajudar. Atacam-nos, porque somos os primeiros a chegar,” afirma.

Entre os capacetes da protecção civil e o equipamento de primeiros socorros no escritório do Crescente Vermelho em Qaryut, estão em exposição bombas de gás lacrimogéneo e pedras que já foram atiradas à ambulância por colonos. “A ambulância já foi atacada cinco vezes,” diz Bashar enquanto nos mostra uma enorme pedra que foi atirada e fotografias do pára-brisas da ambulância completamente destruído. “Onde está a lei internacional? Onde está a nossa protecção como socorristas?” pergunta.

Desde que Mohammed foi morto, Bashar tem dificuldade em voltar para a ambulância. “Limpámos o sangue, mas sempre que entro eu lembro-me do que aconteceu. É muito difícil,” diz. Apesar do medo e do trauma, Bashar continua. Dias depois do funeral do seu colega e amigo, já estava a dar formações de primeiros socorros a residentes de al-Mughayyir e outras aldeias que têm sido alvo de ataques.

Sanções

Nos últimos meses, vários países aprovaram sanções contra colonos israelitas acusados de violência contra palestinianos na Cisjordânia. Depois de terem anunciado restrições de vistos em Dezembro, os Estados Unidos aprovaram sanções financeiras contra seis colonos violentos, dois colonatos ilegais acusados de servir como base para ataques contra palestinianos e duas organizações acusadas de financiar colonos extremistas. O Reino Unido anunciou medidas semelhantes em Fevereiro.

Em Abril, a União Europeia anunciou sanções financeiras e proibições de viajar a quatro colonos acusados de atacar palestinianos, alguns deles já sancionados pelos Estados Unidos, e duas entidades: Lehava, um grupo supremacista judaico de extrema direita, e Hilltop Youth, um grupo de jovens colonos conhecidos pelos ataques contra aldeias palestinianas. França e Espanha anunciaram sanções adicionais impostas a dezenas de colonos israelitas acusados de violência. Em Portugal, onde mais de 112 mil israelitas pediram a nacionalidade portuguesa nos últimos anos, nenhuma medida foi anunciada.

O ministério de negócios estrangeiros não respondeu a pedidos de comentário sobre as sanções. As Comunidades Israelitas de Lisboa e do Porto, responsáveis pela certificação de descendentes de judeus sefarditas para a obtenção da nacionalidade portuguesa, disseram não ter dados sobre o número de cidadãos israelitas com ligações aos colonatos que obtiveram a nacionalidade portuguesa, e recusaram-se a comentar as sanções. A Embaixada de Israel em Portugal também não respondeu a pedidos de informação.

Para os palestinianos a serem atacados na Cisjordânia, as sanções anunciadas até agora não são suficientes. “Não estão a ter impacto no terreno,” considera Bashar. “Alguns dos colonos que foram incluídos nas listas de sanções são colonos que cometeram ataques que eu documentei. Mas mesmo depois de anunciarem as sanções eles continuaram os ataques. Há uma semana mataram duas pessoas.”

Quando Bashar nasceu, em 1982, só havia um colonato perto, Shilo, estabelecido em 1979 em terras apropriadas de duas aldeias palestinianas, Qaryut e Turmus Ayya. Em 1984, um outro colonato, Eli, foi estabelecido em terras que pertenciam a Qaryut, apropriando-se de três das cinco nascentes da aldeia.

Com o passar dos anos, os colonatos à volta de Qaryut foram crescendo e confiscando mais e mais terras palestinianas. Uns, com o apoio directo do governo israelita, que oferece subsídios para a habitação e empresas e benefícios fiscais, outros, através de colonos que acreditam que têm “direitos bíblicos” à terra, e que ocupam o topo das colinas com caravanas ou casas móveis, e são depois ligados aos colonatos maiores através de redes de água, electricidade e estradas.

Todos os colonatos israelitas na Cisjordânia, ocupada por Israel em 1967, são ilegais de acordo com a lei internacional, que proíbe a transferência de populações civis para territórios ocupados. Mas durante décadas os colonatos continuaram a crescer, confinando e segregando os palestinianos em territórios cada vez mais pequenos e isolados. Hoje há mais de meio milhão de colonos israelitas – um por cada seis palestinianos – a viver na Cisjordânia.

Para Moayyad Bsharat, coordenador de projetos da União dos Comités de Trabalhadores Agrícolas, uma organização que dá apoio às comunidades rurais palestinianas na Cisjordânia e em Gaza, todos os colonos que vivem nas terras ocupadas estão a participar, mesmo que de forma indirecta, na desapropriação e opressão dos palestinianos.

“Impuseram sanções a uns poucos colonos, mas e os outros?” pergunta. “Não estamos a falar de actos individuais, esta violência é financiada pelo governo israelita. O ministro das finanças, [Bezalel] Smotrich, por exemplo, é um dos fundadores da Regavim, uma organização de colonos.” Moayyad denuncia a hipocrisia da comunidade internacional. “Se agiram logo contra a Rússia quando invadiu a Ucrânia, porque é que não agem contra Israel e as organizações de colonos?” questiona.

Os acordos de Oslo, assinados em 1993 pelo primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin e o líder da Organização para a Libertação da Palestina Yasser Arafat, prometeram aos palestinianos um estado que seria estabelecido em cerca de um quarto do território histórico da Palestina, em Gaza e na Cisjordânia, e administrado pela Autoridade Palestiniana, criada com os acordos.

Questões como os refugiados palestinianos, o futuro de Jerusalém e os colonatos foram deixadas para um acordo futuro, que nunca se concretizou, deixando por cumprir as promessas de que os palestinianos teriam um estado e autonomia. A Autoridade Palestiniana gere apenas os centros urbanos da Cisjordânia, cerca de 20% do território. Nos restantes 80%, Israel está em controlo.

“Não cumpriram nenhuma das promessas dos Acordos de Oslo. Pelo contrário, os acordos trouxeram ainda mais colonos,” diz Ghassan. “Querem criar cantões isolados e chamar-lhes ‘Palestina’. Querem fazer dos palestinianos escravos que não têm liberdade, que não se podem defender, que têm que trabalhar para eles, que não têm nada.”

Em Qaryut e em al-Mughayyir, como em muitas outras aldeias palestinianas, a brutalidade da ocupação israelita não chega apenas nas balas disparadas pelos colonos, ou nas chamas que consomem as casas e os olivais. A violência também vem fardada, com os soldados e polícias que impedem o acesso a terras ancestrais e às nascentes de água, e que prendem ou matam quem resiste.

“Desde Outubro que não conseguimos ir aos nossos próprios olivais. Se entrarmos nos terrenos, o exército dispara logo,” diz Bashar. A última temporada da colheita da azeitona foi a pior de que há registo, conta, porque as restrições impostas pelo exército israelita e as ameaças dos colonos impediram os palestinianos de entrar nas suas terras durante a época mais importante do ano.

“Estamos rodeados de oliveiras, mas este ano tivemos que comprar azeite de fora porque não pudemos colher as nossas azeitonas,” acrescenta Bashar. Em Qaryut, três nascentes já tinham sido apropriadas pelos colonatos envolventes. “Em Outubro, perdemos as que nos restavam. Agora os colonos nadam na nossa nascente. Fizeram uma piscina no sítio onde íamos buscar água. Se nos aproximarmos disparam. Tiram-nos a terra, a água, as oliveiras.”

Apesar de tudo, Bashar continua a documentar os ataques e as apropriações. Continua porque acredita que a injustiça, que a Nakba, não pode continuar para sempre. E porque acredita que um dia, o que foi tirado terá que ser restituído. A questão que coloca é quando. “Onde estão as sanções? Onde está a lei internacional? Quando é que a comunidade internacional vai agir? Quando já não restar mais ninguém? Quando exterminarem um povo inteiro?”

Publicado na revista Visão (edição 1629)
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online: https://visao.pt/atualidade/mundo/2024-05-26-reportagem-nas-aldeias-palestinianas-atacadas-por-colonos-israelitas/